É incomum que uma pessoa não saiba a data do próprio aniversário, mas quando se trata de cidades, o processo de determinar sua “data de nascimento” pode ser bastante complexo e controverso. Oficialmente, Campinas (SP) celebrou seus 250 anos no último domingo, mas há discordâncias significativas quanto à data exata de sua fundação em 14 de julho de 1774.
Ao longo dos séculos, diferentes datas foram propostas por historiadores, jornalistas e memorialistas para marcar o início de Campinas, gerando debates intensos sobre qual evento deveria ser considerado o marco inicial. Em algumas interpretações, a metrópole poderia ter até 295 anos!
Essa incerteza histórica levou, por exemplo, à celebração do bicentenário (200 anos) em duas ocasiões diferentes durante o século XX. Pelo menos quatro datas foram levantadas como possíveis pontos de partida para Campinas, o que poderia tornar o município mais antigo ou até mais jovem do que os 250 anos celebrados oficialmente – detalhes a seguir.
Para esclarecer o assunto, o G1 entrevistou João Paulo Berto, doutor em história e profissional de organização de arquivos no Centro de Memória da Unicamp. Essa discussão faz parte de uma série de reportagens dedicadas aos 250 anos da cidade.
“O século XX foi marcado por uma série de debates envolvendo historiadores, memorialistas e pesquisadores de Campinas, que apresentaram seus pontos de vista baseados na análise de diversas fontes, tanto locais quanto nos arquivos públicos estaduais e até mesmo nos arquivos em Portugal”, explica João Paulo.
Crise nas múltiplas datas de aniversário
Segundo o historiador, a adoção de 14 de julho de 1774 como data oficial é relativamente recente, ocorrendo apenas após a promulgação de uma lei em 1971. Esta data remonta à primeira missa realizada para a criação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas de Mato Grosso.
Antes disso, a data oficial de comemoração era 13 de setembro de 1739, em referência à chegada de Francisco Barreto Leme à região, quando ele recebeu o território como sesmaria.
O sistema de sesmaria era uma prática da coroa portuguesa desde o século XIV, destinada a promover o povoamento e estimular a produção agrícola.
Outras datas consideradas incluem 7 de agosto de 1728, quando foi concedida a primeira sesmaria, embora nenhum povoamento tenha ocorrido na época, e 15 de novembro de 1732, quando o Reino de Portugal confirmou essa concessão.
Alguns historiadores também argumentam que o verdadeiro marco inicial deveria ser a elevação da freguesia à “Vila de São Carlos” em 14 de dezembro de 1797, quando Campinas se separou de Jundiaí (SP).
Principais datas em debate:
– 7 de agosto de 1728 (295 anos)
– 15 de novembro de 1732 (291 anos)
– 14 de julho de 1774 (250 anos)
– 14 de dezembro de 1797 (226 anos)
Controvérsias
Os debates sobre a data de fundação de Campinas dominaram o século XX, mas se intensificaram nas décadas de 1960 e 1970, quando disputas eram frequentemente destacadas nas páginas dos jornais.
João Paulo relata que houve um polarização entre duas datas principais: 14 de julho de 1774 e 13 de setembro de 1739. Cada grupo criticava a escolha do outro, argumentando, por exemplo, que 14 de julho de 1774 não possuía documentos oficiais registrados em cartório sobre a missa.
Além disso, essa data também faz referência a um evento ocorrido em 27 de maio do mesmo ano, quando vários povoados foram estabelecidos na província de São Paulo.
“Essa data está centrada em um registro feito no primeiro livro de registro da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, que é o que chamamos de primeira notícia histórica”, explica João Paulo.